Direito de vizinhança – uso nocivo da propriedade

Quem nunca sofreu com transtornos provindos da propriedade vizinha? Hoje em dia é comum ter vizinho que possua cães que não param de latir. Sem falar naquele que montou uma banda na garagem de casa sem realizar as obras de contenção acústica. Há aquele ainda que abandona o imóvel como se fosse uma floresta, provocando o aparecimento de diversos animais peçonhentos.

Ocorre que o direito de propriedade, como todo e qualquer direito, não pode ser exercido em termos absolutos. Possui inúmeras restrições, entre as quais o direito de vizinhança, que constitui limitação imposta pela boa convivência social. É dizer, a propriedade deve ser utilizada de maneira que torne possível a pacífica coexistência social entre os vizinhos.

Tanto é assim que a legislação brasileira estabelece que o proprietário ou o possuidor do imóvel tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela má utilização da propriedade vizinha.

Essas interferências, para serem juridicamente tuteladas, devem ultrapassar os limites ordinários de tolerância da vizinhança, levando-se em consideração a natureza da utilização (residencial, comercial, recreativa), a localização do imóvel (área urbana, rural, mista), entre outras circunstâncias verificadas caso a caso.

Ora, aquele que adquire imóvel em bairro residencial ou em área rural tem a justa expectativa de ouvir menos barulho do que o indivíduo que reside em zona comercial ou industrial.

Assim, não poderá uma pessoa se apossar de um imóvel destinado à determinada finalidade e utilizá-lo para outra que desrespeite o direito das pessoas que habitam os prédios próximos, sob pena de estar caracterizado o exercício nocivo da propriedade.

Interessante também observar que o termo “vizinhança” não se limita a imóveis lindeiros. Vai muito além. A vizinhança se estende até onde se propagam as interferências prejudiciais entre imóveis. Isso quer dizer, por exemplo, que um clube abandonado que possibilita, em suas piscinas, a proliferação do mosquito da dengue tem como vizinhos todos os imóveis alcançados por tal inseto.

Com a violação desse direito, nasce para o vizinho a possibilidade de fazer cessar a injusta agressão, por meio da imposição ao agressor de alguma obrigação de não fazer (tal como não emitir ruídos, fumaça ou gases) ou de fazer (por exemplo, demolição de prédio em ruína), além de poder exigir indenização pelos danos materiais e morais suportados.

Os tribunais brasileiros já enfrentaram esse tipo de problema inúmeras vezes, chegando a impor medidas drásticas, como a retirada, em 72 horas, de cão que latia insistentemente quando os donos se ausentavam da residência, sob pena de multa diária extremamente elevada, no intuito de reestabelecer o sossego nas proximidades.

Cumpre consignar, ainda, que todas essas restrições também se aplicam aos imóveis localizados em condomínios horizontais ou verticais, independente do que esteja previsto na convenção.

Logo, sob o prisma do direito em comento, todos têm a faculdade de fazer ou não fazer em seu imóvel o que bem entender, desde que não cause intranquilidade ou dano ao vizinho, já que o exercício abusivo do direito de propriedade pode e deve ser repreendido, nos ditames do ordenamento jurídico.

Autor: Pablo de Figueiredo Souza Arraes, advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela FAAP/RP, sócio do escritório Mazzotta, Amin e Arraes Advogados. E-mail: pablo@maradvogados.com

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