Cláusula de Não Indenizar e Cláusula Limitativa de Responsabilidade

A cláusula de não indenizar e a limitativa de responsabilidade são temas de vários artigos jurídicos, bem como de digressões doutrinárias e jurisprudenciais. A intenção do presente texto, não obstante a menção ao entendimento de alguns catedráticos, é a de apresentar um panorama jurídico moderno dessas cláusulas, respaldado na livre disposição de vontade e regulação dos particulares.

O Ilustre Silvio Venosa define a cláusula de não indenizar como sendo “cláusula pela qual uma das partes contratantes declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial”. E complementa com base no entendimento de Aguiar Dias, aduzindo que essa “cláusula tem por função alterar o sistema de riscos no contrato.” (p.58)

A cláusula limitativa de responsabilidade, por sua vez, em que pese não exclua integralmente o dever reparatório de uma das partes pela inexecução do contrato e seus respectivos danos, fixa previamente quais os tipos de danos serão reparados, inclusive a extensão da indenização. Novamente traz-se a lume o escólio de Silvio Venosa:

Se por um lado, admissão da cláusula de não indenizar apresenta alguns desses entraves, menciona-se também a questão referente à cláusula limitativa da responsabilidade, com utilização análoga à cláusula de não indenizar. Aqui, as partes não excluem, mas limitam a responsabilidade decorrente de um ato ilícito ou inadimplemento até determinado valor. Nessa cláusula, limita-se, antecipadamente, a soma que o devedor pagará a título de perdas e danos. Distingue-se da cláusula penal, por que na limitação estará ausente a noção de pena. Seu conteúdo é exclusivamente indenizatório. Trata-se, sem dúvida, de elemento dinamizador dos negócios.” (p.61)

Em regra, a compreensão doutrinária e jurisprudencial da cláusula de não indenizar e da cláusula limitativa é destoante da ratio essendi destes tipos de cláusulas. A tradicional cultura jurídica nacional, preponderantemente intervencionista e publicista, é incapaz de vislumbrar as cláusulas de não indenizar e limitativa de responsabilidade como instrumentos negociais hábeis a fomentar transações de grande complexidade técnica e de altos valores financeiros.

O caráter liberalista destas cláusulas tem sua gênese no direito norte-americano, muito em virtude da consolidação histórica do direito daquele país. O sistema da common law, habituado a extrair e formar convicção a partir de situações sociais cotidianas, amolda-se ao dinamismos da vida de seus jurisdicionados, diferentemente de nosso sistema jurídico legalista e vertical. A legislação brasileira, ainda que haja exceções, estatui a regra antes do costume, invertendo a ordem lógica de emanação de vontade, resultando, assim, em um sistema jurídico intervencionista, e que, diante de cláusulas como as discutidas aqui, mostra-se relutante, por isso esse tipo de disposição contratual “é vista com certa antipatia pelo direito brasileiro.” (p.59)

Oportuno deixar claro que a opinião ventilada neste artigo não se aplica às relações de contrato de transporte, depósito, consumo, ou a qualquer outra na qual haja desproporção (econômica, financeira, técnica, etc.) entre as partes.

A cláusula de não indenizar e a limitativa de responsabilidade vêm sendo amplamente utilizadas por empresas exploradoras de atividades econômicas relacionadas a bens de capital, à construção civil e obras de infraestrutura (entre outras), que pela própria natureza de suas atividades, negociam e pactuam contratos vultosos, que vão de dezenas a centenas de milhões de reais.

Nesse cenário, a avaliação do risco para a viabilidade do projeto torna-se condição para a formalização do contrato. É justamente com esteio na mensuração dos riscos que essas empresas, influenciadas pela “cultura contratual” de companhias estrangeiras, passaram a fazer uso de cláusulas contratuais de não indenizar e limitativas das obrigações indenizatórias.

As cláusulas de não indenizar, ou de indenizar até certo limite, passaram a ser utilizadas por empresas contratantes em empreendimentos de consideráveis repercussões econômicas não para que os celebrantes se desviassem de quaisquer de suas obrigações legais, mas para que fosse viável executar o objeto contratual mediante o dimensionamento de um possível passivo decorrente do contrato.

Exemplificativamente, no caso de uma empresa atuante no setor enérgico que pretenda ampliar sua capacidade produtiva, contratando empresa (ou grupo de empresas em sistema de consórcio contratual simples) para aludido projeto. Suponha-se, ainda, que a empresa contratante possua, com a venda de energia, um faturamento diário de R$ 1 milhão de reais. E não só. Conjecture-se que com a ampliação pretendida na contratação, o faturamento diário alcance a cifra de R$ 2 milhões de reais.

Durante as negociações, nos termos do exemplo acima, a contratante, ao saber o custo total do empreendimento, é capaz de mensurar o período necessário à recuperação do capital investido e as projeções de ganho futuro. Por sua vez, a contratada pode aferir os eventuais prejuízos pelos quais poderá responder em virtude de inexecução contratual.  

As partes contratantes, de posse de números tangíveis, podem ajustar e instrumentalizar a relação entre elas da maneira mais adequada aos seus interesses. A mensuração da responsabilidade da contratada e do preço a ser pago pela contratante passam a se relacionar de forma diretamente proporcional, sendo que a redução ou aumento de qualquer um deles reflete no outro. É nesse ponto que se retoma o enredo do entendimento externado neste artigo.

A inserção de cláusula de não indenizar ou que limite a responsabilidade indenizatória é meio eficaz de se propiciar às partes a formatação do negócio jurídico em patamares financeiros realistas e com riscos contingenciados. Tais isenções ou prefixação de valores indenizatórios vertem-se em forma de tornar as negociações mais simples e seguras, reduzindo-se, inclusive, custos com Cartas de Fiança, Seguros de Fiel Cumprimento, etc.

Pertinente ressaltar que a cláusula de não indenizar ou a cláusula que limita a responsabilidade indenizatória têm natureza estritamente patrimonial, ou seja, estão insertas na esfera dos direitos disponíveis.

Em decorrência de sua natureza estritamente patrimonial, não há que se cogitar em qualquer intervenção judicial que pretenda afastar ou modificar a aplicabilidade deste tipo de disposição contratual, pois, nesses casos, atuam as partes contratantes no mais puro e verdadeiro exercício do princípio do pacta sunt servanda.

Aliás, importante reforçar que o próprio Código Civil vigente valida o pacto indenizatório entre contratantes. Leia-se o disposto no art. 946:

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.” (sem destaques no original).

Ademais, em virtude da experiência no assessoramento jurídico em negócios que se utilizam destes tipos de cláusulas, conclui-se que o Judiciário não está amparado tecnicamente sequer para avaliar eventual desproporção ou abuso na inserção destas disposições contratuais. Isso porque a exclusão da responsabilidade indenizatória ou sua limitação em determinado patamar decorre de estudo minucioso das partes, envolvendo não só amparo jurídico, como também de engenheiros e financistas.

Nos termos expostos, as partes contratantes estão ininterruptamente respaldadas por profissionais atuantes em projetos similares, discutem cláusula por cláusula do instrumento (quando não o redigem conjuntamente) durante dias ou mesmo meses.

Em nossa concepção, o entendimento de que esse tipo de cláusula pode ser revisto judicialmente, sob o pretexto de que esses dispositivos seriam ilegais ou abusivos, é equivocado e reflete a mentalidade burocrática do vigente ordenamento jurídico. O Estado, a despeito da liberdade por ele outorgada constitucionalmente aos particulares, sem possuir a expertise necessária a aferir os parâmetros que levaram as partes a instituir as cláusulas de não indenizar e limitativa de responsabilidade, pretende se imiscuir nessas relações privadas de forma ampla, imbuído tão somente num conceito objetivo de validade deste tipo de disposição contratual, preterindo a avaliação subjetiva erigida na capacidade econômica e técnica dos contratantes.

Não obstante as cláusulas de não indenizar e limitativa de responsabilidade não terem sua autonomia e validade amplamente chanceladas pelo Judiciário, é salutar o surgimento de posicionamentos mais modernos e condizentes com a liberalidade demandada pelas sociedades empresariais privadas.

Nesse sentido, louvável o entendimento do Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Getúlio de Moraes Oliveira, quando afirma que merece “relevo, ainda, o que diz respeito à cláusula de não indenizar, ferramenta muito usual nos contratos empresariais, capaz de amenizar e até mesmo evitar os prejuízos que possam advir do negócio. Apesar da controvérsia em torno dessa cláusula, a jurisprudência vem admitindo a sua validade, já que as partes são livres para contratar, desde que presentes os requisitos para a formação de qualquer negócio jurídico” [1].

Portanto, a consolidação das cláusulas de não indenizar e limitativa de responsabilidade como instrumentos negociais à disposição das sociedades empresárias é tendência natural e resultante do complexo emaranhado de relações jurídicas oriundas do desenvolvimento econômico nacional, mormente com a gradual abertura do mercado nacional a investidores estrangeiros, sendo suas disposições totalmente válidas e vinculantes quanto aos seus signatários.

Autor: Maicon David Arcêncio Bento, advogado, membro do escritório Mazzotta, Amin & Arraes Advogados, e-mail: m.bento@maradvogados.com

Ref.:

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

RODRIGUES. Silvio. Responsabilidade Civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

¹TJDFT. Apelação nº 0059747-57.2010.8.07.0001. 3ª Turma Cível. .11. DJ: 08/01/2014.

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