Ampliação do conceito de entidade familiar para proteção do bem de família

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) mais uma vez ampliou as regras contidas na Lei Federal nº 8.009/90, que estabelece que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

Na decisão, o STJ considerou possível que o benefício legal da impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis do devedor: o que ele mora com sua esposa e outro no qual vivem as filhas, nascidas de relação extraconjugal.

Para tanto, consignou que essa impenhorabilidade visa resguardar não somente o casal, mas a entidade familiar em seu sentido mais amplo, de modo que, na ocorrência de separação dos membros da família, a entidade familiar não se extingue para efeitos da proteção legal, passando a se apresentar em duplicidade: uma composta pelos cônjuges e outra formada pelas filhas de um deles.

Segundo o STJ, no contexto legal de proteção do bem de família, a distinção entre relações livres (decorrentes do casamento e da união estável) e relações adulterinas (extramatrimoniais mantidas por pessoas casadas) em nada interfere, pois o que importa é a impenhorabilidade do imóvel onde as filhas residem.

O que se vê, em verdade, é que a Lei Federal 8.009/90 sofreu (e continuará sofrendo) inúmeras ampliações promovidas pelos tribunais brasileiros para proteção do direito à moradia, que foi citado inicialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada no ano de 1948 pela Assembleia Geral da ONU, tendo o Brasil como um dos seus signatários.

E mais, a Constituição Federal de 1988 encartou a moradia no bojo de direitos sociais e, por isso, alçou-a à qualidade de direito fundamental, de modo que constitui direito indispensável à composição de um mínimo existencial, na medida em que tem a finalidade de assegurar a sobrevivência digna aos membros da família. 

Diante da magnitude desse direito, tem-se que a composição familiar protegida abrange o casal unido pelo matrimônio; a união estável e a concubinária; a coabitação de parentes e até de pessoas sem laços de parentesco; as uniões homoafetivas com ou sem criança; a comunidade formada pelos filhos de criação sem vínculo jurídico formal.

Os tribunais também consolidaram o entendimento de que essa proteção ao bem de família pode ser estendida à morada do devedor solteiro ou solitário, a despeito da Lei ser explícita em instituir o benefício da impenhorabilidade à residência do casal ou da entidade familiar.

No entanto, este hodierno posicionamento não se apresenta como proteção integral do devedor que possui bem de família. A própria Lei 8.009/90 traz em seu bojo algumas exceções em que o benefício pode ser afastado para pagamento, por exemplo, de créditos de trabalhadores da própria residência, em virtude de dívida de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação ou por dívida de pensão alimentícia.

Como a jurisprudência paulatinamente vem ampliando os ditames dessa legislação, para correta proteção do direito à moradia, necessário se faz que os operadores do direito (advogados, promotores de justiça e juízes) verifiquem cada caso concreto, a fim de se evitar que credores ou devedores sejam injustamente prejudicados, haja vista que o intuito da norma não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo.

Autor: Pablo de Figueiredo Souza Arraes, advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela FAAP/RP, sócio do escritório Mazzotta, Amin e Arraes Advogados. E-mail: pablo@maradvogados.com / www.maradvogados.com

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